Pregação & Estudos

Recomeçar a Vida – O mundo pós-dilúvio

Recomeçar a Vida – o mundo pós-dilúvio

Você já reparou que em Gênesis 1-11 há um conjunto de narrativas das origens (o surgimento do mal no mundo, início das formas culturais, estabelecimento das muitas vozes [línguas] etc.)? Neste conjunto de textos, encontra-se a história do dilúvio (Gn 6 – 9), que ocupa significativo espaço e constitui-se o centro desse importante bloco. Nessa parte, depois da catástrofe das águas, o que também significou a preservação de grande parte dos animais e um núcleo familiar, diferentemente das crenças babilônicas, Deus prometeu que nunca mais destruiria a natureza por causa da maldade dos homens (Gn 8.20-22). De certa forma, o pós-dilúvio representou um recomeço. Se levarmos em consideração que as águas no Mundo Antigo eram símbolo do caos, a família noélica e os animais estavam recomeçando a história depois de tempos caóticos. É exatamente nesse contexto literário que se encontra Gn 8.1-19. Aqui, temos uma cena linda do raiar da esperança no ramo novo de oliveira trazido no bico da pomba (Gn 8.20-22).

Se por um lado o dilúvio destrona nosso triunfalismo que tenta negar as dores e caos da vida, por outro, também aponta para o retomar da esperança. Ou seja, nas imagens do pós-catástrofe podemos renovar a imaginação, restaurar a caminhada e recomeçar a vida. De certa forma, em Gn 8.1-19 encontramos alguns pontos sobre isso. 

Vejamos.

1. Gn 8.1-12 apresenta a retomada da vida normal. Primeiro Deus se lembra de Noé e dos animais (v.1-2). “Lembrar” no texto tem sentido poético, tão poético quanto o hino da criação em Gn 1. Com essa expressão, o texto apresenta o Criador como aquele que se importa com suas criaturas, inclusive com as feras. 

As comportas dos céus são fechadas e as águas do firmamento (Gn 1.7) param de cair. Com isso, pouco a pouco (Gn 8.3), nível da água diminui e no sétimo mês a arca encalha (Gn 8.4). O caos estava passando. Noé, como em um rito, envia aves que vão e voltam até a pompa trazer a vida em seu bico (um ramo) – ou seja, floresceu! Noé agora sabia que o dilúvio tinha passado, era hora de recomeçar. Se prestarmos atenção no texto, ele tem um processo. As coisas vão se ajeitando aos poucos e continuamente. Isso exige paciência, perseverança, resiliência. Noé acreditou, mesmo de dentro do caos, que Deus estaria com ele. 

Aos poucos, superação por superação, a vida volta: as marcas ficam, mas a esperança vai se reconstruindo. Noé insistiu com o corvo e a pomba porque acreditou que o dilúvio iria passar.

2. No decorrer da narrativa, Deus ordena que saiam da arca. Mas não somente isso, o Senhor incentiva-os a serem fecundos (Gn 8.15-19). Ou seja, é a mesma ordem dada ao primeiro casal (Gn 1.28). Deus não havia desistido do projeto original. Pelo contrário, estava renovando as promessas e sua relação de misericórdia com a humanidade. No entanto, eram novos desafios e outros caminhos seriam necessários. Se em Gn 1.29 a alimentação era somente ervas e frutos, agora a carne deveria fazer parte da mesa (Gn 9.3). Todavia, assim como o primeiro casal, Noé e sua família deveriam cuidar da criação como bons mordomos (Gn 2.15). Um parêntese aqui. Infelizmente, nós não temos levado isso muito a sério, por vezes demonstramos pouca sensibilidade ambiental e transformamos a criação em simples fonte do nosso ganancioso consumo.  

Noé, sua família e os animais recomeçariam uma nova história. E isso exigia mudanças. Eles tinham a responsabilidade de continuarem o projeto de Deus iniciado na criação. Recomeçar é sempre assim, é preciso paciência e perseverança, o que exige considerar que as coisas retomam seu lugar e, na maioria das vezes, lentamente. Além disso, mesmo nos períodos de caos, sempre aprendemos algumas coisas. Aliás, a esperança é resultado desse processo. Como disse Paulo: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, E a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5.3-5).

 Questões para o diálogo

À luz dessa reflexão sobre o mundo pós-dilúvio e a partir da atual realidade pandêmica, seguem algumas questões para o diálogo:

 1. O Dilúvio foi um tempo de caos e destruição, mas houve esperança e recomeço. Você acredita que depois de situações caóticas ou trágicas da vida é possível voltar ao que era antes? Por quê?

 2. Leia Rm 5.3-5. Como podemos aplicar esse texto à nossa realidade hoje em dia? É possível amadurecer através das dificuldades, decepções ou infortúnios da vida? Explique isso ou dê algum exemplo.

3. O que estamos aprendendo sobre nossa relação com Deus e com as pessoas durante esse tempo e que poderá ser aplicado a nossa vida no pós-pandemia?

4. Você perdeu alguém para a COVID-19 ou por qualquer outra causa durante a pandemia? O que você poderia fazer depois de tudo isso para honrar a sua memória?

Orientação de oração

Depois do bate-papo, convide as pessoas para orarem.

– Intercedam por aqueles/as que perderam pessoas amadas durante a pandemia.

– Peçam a Deus para que nos alimente de esperança e nos ajude a sairmos melhores desse período tão caótico pelo qual estamos passando.

kenner terra

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Casado com Mariléa, pai de Beatriz e Roger.
Pastor, Professor e Escritor.

Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Pastor e professor na Faculdade Unida de Vitória – ES. Membro da Associação Brasileira de Interpretação Bíblica (ABIB) e da Rede Latino-americana de Estudos Pentecostais (RELEP).