Pregação e estudos

Fé, esperança e amor

“Virtudes teologais” é o nome dado aos três substantivos supracitados – fé, esperança e amor, na tradição católica romana. Elas complementariam as “virtudes cardeais” – prudência, fortaleza, temperança e justiça – que seriam as consideradas “essenciais”. Essa concepção, influenciada pela perspectiva grega, principalmente de Aristóteles, acerca das virtudes do homem, não foi adotada pela tradição protestante, pelo simples fato de compreender que o homem, em si mesmo, é mau, e, toda virtude que está nele é fruto do Espírito Santo (Gl 5.22).

As virtudes

Conhecido do público em geral, difundido vastamente através dos sermões de casamento, o texto de Coríntios (“Agora, pois, permanecem a fé, esperança e amor, mas a maior destas é o amor”, 1Co 13.13) apresenta as virtudes acima mencionadas como doadas por Deus e operadas por Ele (1Co 12.3-7). Concedidas intrinsecamente ao ser humano, deformadas pelo pecado, estas características tornam-se em virtudes quando vivificadas por Deus. Mas, afinal, o que são?

Fé é a substância essencial da espera. É o argumento invisível incontestável (Hb 11.1). Confunde-se, às vezes, a explicação ordenada e compreensiva das razões pelas quais cremos com “provas da fé”. Deve-se lembrar que a fé não é ilógica ou a-lógica, mas supralógica e intralógica. A fé perpassa a lógica, mas a transcende. Quando existem assuntos nos quais a razão encontra-se limitada para sua compreensão, a fé a transcende e pode ser um caminho de conhecimento, como no caso da existência de Deus e Sua soberania sobre o mal. Segundo Weaver: “A habilidade em combinar trabalho intelectual e fé é um dos selos de qualidade do intelectual cristão. Ela significa que com uma fé enraizada, podemos olhar para qualquer coisa sem medo”.[1] A fé é o estrado da esperança.

Esperança é saber que tudo faz sentido. Ensinar sobre “esperança” tornou-se comum na cultura helênica, através do Mito de Pandora. Prometeu roubou o fogo de Zeus para dar aos homens. Vingativo, o deus grego ordenou às deusas olímpicas a concederem o melhor de seus dons para formar uma mulher repleta de dons (pan, “todos”, dora, “dons”) e dá-la de presente aos homens. O maioral do Olimpo deu uma caixa a Pandora ordenando-a não abrir, e entregá-la aos homens. No meio do caminho, a novel criação abriu a caixa, que continha todos os males do mundo, espalhando-os na terra. Sobrou apenas a esperança, no fundo da caixa. Daí o dito: “A esperança é a última que morre”. Para o cristão, há uma adequação a ser feita: Nossa Esperança é a última que morre, mas a Única que ressuscita – em virtude do amor.

Amor é a expressão máxima de quem Deus é. Ao ver o neoconverso ávido pelas coisas de Deus, há os que exclamam: “É o primeiro amor, depois passa…”. Há de lembrar-se que a Bíblia não reconhece outro tipo de amor a Deus, que não o primeiro: “Tenho, porém, contra ti, que deixastes o teu primeiro amor” (Ap 2.4). Teologicamente: Não há outro amor que não o primeiro; se não estamos no primeiro amor, estamos em qualquer outra coisa que não é amor.

Mas como exercer estas virtudes na cidade?

As virtudes e a cidade

Partindo de um ponto de vista sociológico, a cidade pode ser vista como um vasto complexo demográfico, com indústria, serviços, comércio, associações, instituições, etc. A cidade é tudo isso, mas não apenas isso. Arnold Toymber observa na cidade aspectos não apenas sociológicos, mas também aspectos emocionais: “para tornar-se uma cidade ela terá de desenvolver pelo menos os rudimentos de uma alma. Isso talvez seja essência do ser da cidade”. A cidade transcende elementos socioculturais. Cada cidade tem “a sua própria alma”[2]. Linthincum afirma que “Deus está chamando a igreja para dentro da cidade”.[3]

A cidade, e, principalmente, as megalópoles, apresentam seus desafios: Violência, criminalidade, drogas, suicídios, dentre tantos outros, apresentam-se como implosivos da fé, esperança e amor. Como vencer?

Jesus já perguntara: “Quando vier o Filho do homem, achará fé na Terra” (Lc 18.8). Em meio à tecnologia das urbes, ao frenesi da velocidade, à corrida pelo vil metal, será que ainda há espaço para a fé? As cidades, com seu variegado cardápio de opções, convidam o jovem a, cada vez mais, negociar seus tesouros, dentre eles, a fé. Por isso, nas cidades, o carro deve ter seguro, o plano de saúde deve ser buscado, cercas elétricas podem ser colocadas, mas, “sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração…” (Pv 4.23). Jovem, não entregue a tão preciosa fé de seu coração pelo guisado citadino.

 “A esperança adiada adoece o coração…” (Pv 13.12). Quantos jovens têm migrado de cidade buscando seus sonhos, mas acordam em pesadelos: Golpes como “Boa-noite, Cinderela”, saidinhas de banco, sequestro, bullyings, ideologias diversas, convivência universitária inadequada, têm sido podadores de esperanças de muitos que migram para uma nova cidade. Que fazer? “Abraão, em esperança, creu contra a esperança…” (Rm 4.17).  Decidir acreditar, mesmo que tudo diga não, é uma questão de escolha. Como Habacuque (Hc 3.17-19) que escolheu crer a despeito das contrariedades, precisamos de determinação e perseverança para vencermos nas cidades.

Jesus profetizou: “Por se multiplicar a iniquidade, o amor de quase todos se esfriará” (Mt 24.12). Manter o amor aquecido é desafio na urbe. A violência se multiplica. A lei de Talião (“olho por olho”) tenta impor-se como regra. Que fazer? Deus é amor. A única forma de manter-se no amor é manter-se em Deus. “Debaixo das Suas asas estarás seguro” (Sl 91.4). Andar no tempo de Deus e no modo de Deus (Ec 8.5-6) é a única forma de podermos viver em paz e ser mantido o amor, em tempos de tanta insegurança.

 

Conclusão

A cidade é criação humana, mas com aquiescência divina. Deus cria o mundo e planta o Jardim do Éden e insere Adão no Jardim. Após a Queda, Caim nasce, e, posteriormente, funda uma cidade com o nome de Enoque, seu filho (Gn 4.17). É a primeira menção à cidade.

Após todas as coisas haverá novos céus e nova terra. João narra que também haverá uma nova cidade, a “santa cidade” (Ap 21.2). Nesta nova cidade: (1) Deus estará com Seu povo (21.3); (2) Não haverá morte (21.4); (3) Não haverá opressão (21.4); (4) a cidade será grande (21.10); (5) será cosmopolita (21.12.14); (6) será cidade projetada (21.16); (7) economicamente sustentável (21.18-20); (8) visualmente belíssima (21.21); (9) com vivacidade espiritual (21.22); (10) iluminação pública gratuita (21.23); (11) seu sistema ético será perfeito (21.27); (12) alimentação para todos (22.2); (13) saúde pública gratuita (22.2); (14) haverá trabalho não penoso (22.3); (15) a documentação será visível e prática (22.4); (16) não haverá preferencialismo ou carteirada (22.14); (17) a estrutura social será justa (22.15); (18) a entrada na cidade santa se dará pela manutenção da integridade da profecia (22.19). É fato digno de nota haver nove menções à cidade nos dois últimos capítulos bíblicos.

A existência da cidade na nova ordem de coisas estabelecidas após o eschaton evidencia sua necessidade para a manutenção da ordem. Havendo apenas uma família na origem, não havia a necessidade citadina, porém, após a multiplicação do ser humano, a cidade tornou-se uma necessidade à ordem.    

Guardar o coração, ser determinado e perseverante, abrigar-se nas asas do Pai são atitudes simples a serem tomadas na cidade, mas, que se houvessem sido tomadas por muitos, seu rumo de vida poderia ter sido outro.

Que tal começar por aí? Afinal, o profeta já ensinara: “Não desprezeis as coisas pequenas, e nem os humildes começos” (Zc 4.10).

Referencias

[1] WEAVER, Mary Jo. Rooted Hearts/Playful Minds: Catholic Intellectual Life at Its Best. Cross Currents, 1988, p. 69-70.

[2] PAULY, Evaldo Luis. Cidadania e Pastoral Urbana. São Leopoldo: Sinodal, 1996, p. 31.

[3] LINTHINCUM, Robert C. Cidade de Deus, Cidade de Satanás: Uma Teologia Bíblica da Igreja nos Centros Urbanos. Belo Horizonte: Missão Editora, 1993, p. 20.

Henrique Araujo

Henrique Araujo

Pastor

Pastor na SIB de Rondonópolis – MT,  Professor, PhD em Teologia, Editor da editora Teologia contemporânea